Sou natural de Fátima, Bahia,
nasci no dia 15 de Agosto do de 1962.
Casada, mãe de quatro filhos,
dona de casa consciente das responsabilidades domésticas e familiares.
Atualmente, estudante de Pedagogia Social, recentemente, professora de educação
infantil.
Dedico meus relatos ao meu esposo
Carlos, aos meus filhos Eduardo, Jonatan, Adson e Moisés, e as minhas noras
Larissa, Carla e Juliana.
“Relatos de uma Sertaneja” conta
as etapas da minha vida: Infância, juventude, casamento e o agora.
“Só poderemos ser verdadeiramente felizes quando fizermos o outro
feliz”
Prefácio
Menina do interior nordestino,
sertão alto, sertão seco, de família humilde e nesta humildade era uma família
educada e essa educação procede de uma mãe lavadeira e um pai pedreiro.
Cresci, cheguei à juventude,
coisas boas e ruins aconteceram, tornei-me mulher, esposa, mãe, uma vida
construída na dificuldade, no trabalho árduo, na dignidade. Com dias bons e
dias ruins, com erros e acertos, que é igual a todo ser humano que busca a graça
de viver dignamente, rindo e chorando, amando e sendo amado.
Uma mulher frágil? Uma mulher
forte!
“Glorifiquem a Virgem Maria, ela é a mãe da misericórdia, é a nossa
proteção nessa vida.”
Infância – 1ª Parte
Nasci em Vila de Fátima, um
pequeno povoado no coração do sertão baiano.
Eu era uma garotinha magra, vivia
constantemente doente, talvez por falta de alimentação suficiente, porque
sempre faltava comida em casa.
Meu pai não tinha emprego, fazia
bicos. Minha mãe lavava e passava as roupas de uma ou duas senhoras que se
denominavam ricas e o pouco que essas senhoras pagavam não dava para comprar
tudo que necessitávamos, então tinha dias que fazíamos apenas uma única
refeição.
Éramos sete filhos, dois meninos
e cinco meninas. Minha mãe nos ensinava a não chorar por causa da fome, ela
dizia que, se não tínhamos comida hoje teríamos amanhã, Deus não deixaria a
gente morrer de fome.
Quando eu sentia muita fome,
deitava na rede e dormia. Dormia muito porque assim “enganava” a fome.
Tempos depois paramos de passar
fome, pois João Maria, uma pessoa de suma importância na história de Vila de
Fátima e parente do meu pai, procurou ajudar; ele deu um bom emprego ao meu pai
que passou a ser, oficialmente, o carpinteiro e coveiro do cemitério local.
Todos nós participávamos desse emprego; meu pai fazia os caixões dos defuntos e
nós ajudávamos a decorar. Minha mãe costurava a mortalha e arrumava o morto no
caixão, enquanto pai cavava a cova e meus irmãos ajudavam a enterrar. Pode
parecer tenebroso, mas para nós era uma festa, por mais estranho que isso possa
parecer. Era nosso meio de vida.
Um irmão de minha mãe, tio Lero,
era proprietário de uma roça e doou dois hectares de terra para minha mãe
“cultivar de meia”, ou seja, tudo que ela plantasse e colhesse dividiria com
ele. Minha mãe, mulher trabalhadora retada, fazia plantio de rodízio, após a
colheita do milho e feijão, ela plantava aipim, quiabo, abóbora, batata e
melancia. Tempos de fartura! Eu não precisava mais dormir o dia todo para
enganar a fome, todos os dias tinha comida em casa, então meus irmãos e eu
passamos a brincar mais, passamos a ser crianças felizes.
Infância – 2ª Parte
Tempos depois, fomos embora de
Vila de Fátima, fomos morar em Bom Conselho, atualmente Cícero Dantas.
Minha avó paterna ficou viúva e
herdou duas casas em Bom Conselho, um município um pouco mais evoluído, tinha
hospital, escolas públicas e a igreja católica, que ajudava as famílias
carentes com doações de alimento, roupas e remédios. Essas doações eram provenientes
da igreja matriz, situada em Paulo Afonso.
Minha avó Elvira convenceu meu
pai a ir morar naquela cidade, porque lá meus irmãos e eu teríamos a
oportunidade de frequentar uma escola, fazer catequese e primeira comunhão. Ela
nos deu uma casa! Achei essa mudança ótima, era um mundo novo com oportunidades
e perspectivas.
Comecei a frequentar a escola da
igreja, onde aprendi a ler na cartilha e a escrever. Conheci o evangelho, fiz
catequese e primeira comunhão, depois fui para a escola pública.
Meu pai começou a trabalhar de
pedreiro, meu irmão mais velho ajudava em uma pequena padaria, em troca ganhava
pão, bolacha e uns trocados de vez em quando.
Mesmo com essas pequenas
oportunidades, a vida não era fácil, o dinheiro não dava para as necessidades, então
mãe voltou a trabalhar como lavadeira e passadeira de roupas. Ela saia de casa
antes do dia amanhecer completamente com uma trouxa de roupas na cabeça. Ela
tinha que sair cedo para pegar sua pedra na beira do açude, onde esfregava e
batia as roupas para tirar manchas e encardidos. Havia muitas lavadeiras nesse
açude, minha mãe sempre me lavava para ajudar. Levávamos farinha, sal, ovos
cozidos e bolachas para o momento em que a fome apertasse. Minha irmã Zeza era
a mais velha, então ela ficava em casa para cuidar dos irmãos menores.
Quando a professora reclamava por
eu estar faltando aulas, mãe não me levava com ela, pois tinha que ir para a
escola. Quando eu voltava minha irmã me dava comida e preparava um prato de
comida amarrado em um pano para que eu pudesse levar pra minha mãe, que estava
no açude. Era muito longe! Tinha dias em que o sol estava tão quente que fazia
meu nariz sangrar. Eu tentava estancar com folhas de vilame.
Toda lavadeira levava um filho ou
filha para ajuda-la; enquanto elas esfregavam as roupas na pedra grande, as
crianças desciam o paredão para pegar água nas latas e encher as bacias para o
enxágue das roupas. Eu gostava de fazer isso, era um divertimento. Descia o
paredão correndo, enchia a lata, colocava na cabeça, subia o paredão e
despejava a água na bacia da minha mãe. Mas, essa ação carecia de atenção,
porque nesse açude vivia um jacaré enorme e astuto, que ficava a espreita.
Quando ele pressentia alguém na água, mergulhava e atacava. Machucou muita
gente e matou vários cães que iam beber água na beira do açude.
Bem... Ajudar minha mãe a lavar
roupas era cansativo, mas era também divertido. Cansativo e chato era ajudar a
passar. Ferro na roupa! O ferro era a carvão e toda hora eu tinha que assoprar
para não deixar apagar. Ainda tinha que segurar aqueles lençóis cheios de goma
enquanto minha mãe ia passando. Não podia ter nenhuma ruga, os lençóis tinham
que ficar bem lisinhos para agradar as clientes.
A vida de lavadeira e passadeira
começou a cansar minha mãe. Ela ganhava pouco, se desgastava muito e não tinha
tempo para cuidar de nós e nem da casa. Ela sonhava com um trabalho melhor.
Eu e minhas irmãs não tínhamos
brinquedos, então brincávamos de esconde-esconde e de faroeste em cima da
serra, pois nossa casa era situada no alto da serra, conhecida como Alto do Bem
Querer. A noite, quando tinha lua cheia, brincávamos de roda, enquanto mãe e
pai ficavam de papo com os vizinhos.
Minha primeira boneca foi um
sonho! Era grande, quase do meu tamanho (eu tinha oito anos) ela tinha cabelos
loiros e encaracolados e tinha olhos verdes. Bom, ela tinha as pernas
quebradas, sua antiga dona quebrou e sua mãe ia jogar no lixo. Minha mãe tinha
ido entregar as roupas lavadas e viu que sua patroa ia jogar aquela boneca ia
para o lixo, então ela resolveu perguntar se podia levar para casa. Quando mãe
chegou com a boneca foi encantamento total! Nem o fato da boneca estar com as
pernas quebradas diminuiu minha felicidade. No mesmo dia mãe fez duas pernas de
pano e costurou, não sei como, no corpo da boneca. Ficou perfeito! Ela também
fez um lindo vestido e sapatinhos de crochê. Colocou um laço azul nos cabelos e
a boneca ficou ainda mais linda. A felicidade transbordava em meu peito! Fiz
batizado, aniversário... Tudo que a boneca tinha direito. Ela ficou comigo por
muitos anos.
Novamente surgiu a ideia de
mudarmos para outra cidade em busca de melhores oportunidades.
Mudamos para Ribeira do Pombal e
essa mudança aconteceu da seguinte forma:
Uma amiga da minha mãe, que há
muitos anos tinha ido embora de Fátima para morar em Ribeira do Pombal, veio
nos visitar, ela falou para minha mãe que seria muito bom se fossemos para lá
porque, sendo um município maior, oferecia mais oportunidades de emprego para
meu pai e meus dois irmãos, que já estavam na idade de trabalhar, e certamente,
mãe deixar de ser lavadeira.
Minha mãe era uma mulher de
coragem, que não tinha medo de ousar. Meu pai deixava toda e qualquer decisão
nas mãos dela. Então, ela falou com a sogra que estava querendo ir embora
conosco para Ribeira do Pombal e pediu sua permissão para vender a casa. O
dinheiro da venda seria usado para comprar outra casa na cidade que seria nosso
novo lar. Assim foi feito.
Minha mãe foi primeiro, sozinha,
para procurar casa para comprar, nós iríamos depois. Ela não encontrou nenhuma
que desse para comprar com o dinheiro da venda da outra casa, então pensou em
desistir, mas a amiga dela sugeriu que ela alugasse uma casa, fosse buscar a
gente e depois, com bastante calma, procuraria uma casa para comprar. Doce
ilusão. Não compramos nenhuma casa, pois o dinheiro foi usado para pagar os
aluguéis e comprar alimentação, e assim o dinheiro acabou.
Voltamos à estaca zero. Todo
mundo sem trabalhar, mãe nem podia lavar roupas, pois não conhecíamos ninguém.
Começamos a passar humilhação, mudando constantemente de uma casa para outra,
pois não tínhamos dinheiro para pagar o aluguel, passamos fome novamente.
Minha mãe, corajosa e
determinada, não permitia que a vida lhe desse rasteiras definitivas, então foi
pedir ajuda ao prefeito. Nessa época, o poderio político estava centrado nas
mãos dos Brito, família conceituada, respeitada e tradicional, e o prefeito,
Sr. Ferreira Brito, era um político voltado para as necessidades dos seus
eleitores de baixa renda.
Mãe contou toda nossa história,
desde a saída de Fátima até chegar em Pombal, o prefeito ficou sensibilizado e
prontificou-se a ajudar. Chamou o encarregado da limpeza pública e mandou
contratar mãe para trabalhar de gari, ela ficou muito feliz e começou a
trabalhar no outro dia. Ela varria as ruas com tanta boa vontade que passou a
ser a melhor gari de Pombal.
Meu pai começou a trabalhar em
canteiros de obras, um dos meus irmãos foi trabalhar em uma oficina e o outro
em uma padaria.
Mesmo todos trabalhando a
situação ainda estava difícil, porque na verdade todos ganhavam pouco e
tínhamos que pagar aluguel. Sempre que o aluguel de uma casa aumentava
mudávamos para outra, e assim sucessivamente.
Continua...
PARABÉNS MÃE SEU LIVRO NA NET , ESTAR MUITO MASSA....AO LER DAR UMA SAUDADE DO INTERIOR.....
Zuleide Reis, Cadê a outra parte? Fiquei super curiosa!!! kkkkkk
“Relatos de uma Sertaneja” é uma leitura mais do que interessante, é surpreendente. Não posso negar que me sentir numa viagem a um mundo fora da minha realidade. E faz-me perceber que ainda existem até os dias de hoje pessoas passando pelos mesmos sofrimentos que um dia você e toda sua família vivenciaram. A história da sua família era uma situação desesperadora e muito sofrida. Mas, vale lembrar hoje que esta vida dura transformaram vocês em verdadeiros guerreiros. Que de maneira nenhuma desistiram de lutar por uma vida digna e melhor. Hoje uma mulher valente, guerreira, casada, mãe de 4 filhos ( Formados) ,muito amada pelas noras que futuramente irá te abençoar com lindos netos. Pensa que terminou por ai?!! Com seus 51 anos, fazendo faculdade de pedagogia e dando uma super lição de vida a esta geração e a muitas outras que viram. Existem ainda muitos sonhos a serem realizados por está sertaneja arretada. Creia que eu e toda sua família e amigos estaremos aqui nos bastidores para te aplaudir de pé por muitas conquistas que serão concretizadas. Te amo.
Muito bem minha linda mãe! Como filho, fico muito feliz com esse belo relato. Uma bela história, sinto-me honrado por vir dessa bela história, tê-la como mãe. Como jornalista, fico orgulhoso por degustar tão bela construção literária. Parabéns, te amo!
Estou encantada com sua historia e confesso que tive a oportunidade de conheçer sua mãe que carinhosamente cahamava de Mãe Alice.Realmente uma guerreira e amada por muitos,vou ler tudinho.