sábado, 12 de março de 2016

LULA

SALVADOR, BAHIA. MARÇO DE 2016

TEXTO DE: JOSÉ BRANDÃO
 
Quando Juscelino Kubitschek morreu em 1976, viu-se que deixou uma fazendinha em Luziânia e um apartamento no Rio de Janeiro. E, no entanto nos anos que se seguiram ao golpe de 1964, a ditadura forjou a lenda de que fora cassado porque era corrupto e roubara muito durante a construção de Brasília. JK foi cassado porque era o mito eleitoral e político daquele tempo, o candidato mais forte às eleições presidenciais que estavam marcadas para 1965.
O triunfo da nova ordem política erigida pelos os militares exigia a destruição do mito JK, o presidente que mudara a face do Brasil acelerando a industrialização e interiorizando a capital. Mataram o mito. Depois o pleito de 1965 foi desmarcado e os brasileiros só votaram novamente para presidente em 1989. Para visitar a cidade que criara, JK vinha a jantares clandestinos organizados pela amiga Vera Brant.
Na segunda morte de JK, a morte física em 1976, estudantes, candangos e centenas de brasileiros acompanharam o féretro da catedral até o cemitério Campo da Esperança cantando o “peixe vivo” e gritando “abaixo a ditadura”. Foi a primeira grande manifestação política de que participei.
Antes de JK a caçada a outro mito também relacionado a mudanças sociais e econômicas de viés popular, havia terminado com o suicídio de Getúlio Vargas, que com um tiro no peito adiou em dez anos o golpe de 1964.
Há também uma semelhança entre o assassinato político de JK pela ditadura e a caçada a Lula para abrir caminho a uma troca de guarda no poder. Para colocar um fim à ordem política instaurada pelo PT com a chegada de Lula à presidência em 2002 é preciso acabar não apenas com a ideia de que os governos petistas promoveram os mais pobres à cidadania, reduziram a desigualdade, resgataram milhões da miséria e mitigaram, com políticas afirmativas a nossa vida histórica para com os negros e afrodescendentes. É preciso apagar a ideia de que a Era Lula produziu um invejável ciclo de crescimento e instaurou com Celso Amorim uma política externa ativa que garantiu ao Brasil uma projeção internacional sem precedentes. Não basta também apenas a desqualificação eleitoral do próprio PT, por erros que são do próprio sistema político. É preciso destruir o mito projetado por estas mudanças, o mito Lula.
Em janeiro afastado dos lides diárias do jornalismo acompanhei de longe a abertura a temporada de caça a Lula. O que se pronunciava  desde o início do ano ficou claro no dia 27 de janeiro com a Operação triplo X, que a pretexto de investigar lavagem de dinheiro pela OAS através de venda de apartamentos no Edifício Solaris, mirou Lula e o tríplex que ele cogitou comprar mas nunca adquiriu. De lá pra cá os caçadores se espalharam e se armaram, obtendo agora do Juiz Sérgio Moro a autorização para abrir um inquérito especifico destinado a investigar se as empreiteiras beneficiaram Lula ilegalmente através de obras num sítio e amigos de sua família.
Se Lula não tem um tríplex o crime estará em ter pensado em possui-lo? Há muitos meses ouvi contar a amiga o que dissera a sua mulher Marisa para que desistissem do apartamento e resgatassem  valor da cota já pago. “Marisa eles nunca vão nos aceitar como vizinhos num prédio como aquele. Não vão querer andar de elevador com a gente, vamos desistir disso antes que comecem os aborrecimentos”.
Era tarde, vinheram mais que aborrecimentos, vinheram acusações difusas, sem forma clara, sem fundamentos sólidos mais corrosivos para o mito. O “tríplex do Lula” passou a existir no imaginário popular embora não exista na escritura.
Agora com o novo inquérito querem provar que o sítio de Atibaia não é de seus donos, mas de Lula. E que empreiteiras investigadas pela operação Lava jato investiram nele numa forma indireta de pagar propinas ao ex. presidente. É isso que querem provar, embora não digam. Mas no imaginário popular a narrativa já colocou outra ferida no mito.
Feri-lo, porém não basta. A destruição de um mito exige mais, exige sua completa humilhação, exige a retirada de toda e qualquer aura de veneração e respeito. Para isso será preciso processar, condenar, trucidar. Será preciso prender Lula. É a este ponto que desejam chegar os caçadores de Lula, para que nada reste da admiração pelo presidente que saiu da miséria extrema do nordeste tornou-se operário, liderou greves, fundou um partido, aceitou as derrotas e um dia venceu a eleição presidencial, tornando-se o presidente brasileiro mais popular internamente e o mais respeitado lá fora. “O cara” como disse Obama, precisa ser reduzido a pó.
Lula talvez tenha subestimado a sanha dos caçadores e se atrasado na defesa. Certamente cometeu alguns erros na estratégia de defesa. Do PT combalido pouco pode esperar, mas certamente algo ainda espera dos que ainda acreditam nele. Se planeja em algum momento denunciar à sua base política e social a natureza política da caçada que enfrenta, o momento chegou
A hora é de crise para todos e isso não favorece reações populares. Mas ainda que seja como prestação de conta aos que levam a glória e assistem a sua  destruição sem ouvir um chamado, Lula precisa faze-lo.






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